top of page

Capítulo 3

O Dia que a Morte Entrou no Ônibus

Em 2013, após o término de um relacionamento de oito anos, comecei a apresentar sintomas de depressão. Naquela época, administrava uma loja de roupas femininas em Belo Horizonte e frequentemente viajava a trabalho para Goiânia e São Paulo. Decidi, então, direcionar toda a minha atenção para a loja, tentando superar aquele período desafiador. 

Certa vez, fiz mais uma viagem a trabalho para Goiânia. Normalmente, costumava optar por voos diretos para lá, mas nesta ocasião, comprei um bilhete de volta para Belo Horizonte que partia de Brasília, em vez de Goiânia, como era habitual. Apesar de precisar pegar um ônibus rumo a Brasília, não me importei. 

Era domingo, 7 de setembro, e eu me encontrava na rodoviária de Goiânia, no Setor Norte, aguardando o início do embarque no ônibus. Enquanto isso, observei dois meninos, um de cinco e outro de três anos, brincando e correndo de um lado para o outro, enquanto o pai deles entregava as bagagens ao motorista. Finalmente, chegou a minha vez. Eu tinha apenas uma mochila pequena nas costas, então subi no ônibus, analisando meu cartão de embarque para localizar o número do meu assento. Lembro-me de ter ficado um pouco desapontada por ter que me sentar na cadeira número 01, já que ela ficava ao lado da porta de entrada e fazia bastante barulho durante a viagem. Assim que entrei no ônibus, ocupei meu lugar e aguardei a partida.  

Lembro-me da viagem de ônibus lotado rumo a Brasília, onde muitas pessoas estavam indo fazer prova para concurso público. Eu estava tão cansada que logo após pegarmos a estrada eu caí no sono, e, acordava brevemente nas paradas durante o caminho e voltava a cochilar. 

Acordei quando estávamos chegando na rodoviária de uma cidadezinha desconhecida.

Eu estava ainda sonolenta quando escutei alguém gritando: 

-"Não faz isso com meu pai, moço!" 

- vinha da parte de trás do ônibus. 

As pessoas correram para a frente do ônibus, tentando sair pela porta.  

Tudo era tão confuso. 

Me levantei e olhei para a parte de trás do ônibus...  

E vi um homem em pé, de jaqueta jeans, com um facão na mão. 

Ao lado dele, havia um homem sentado com a cabeça aberta quase pela metade. Ele ainda tentava se levantar ou falar alguma coisa. 

O homem de jaqueta jeans colocou o facão na cintura da calça. 

Todos estavam em pânico e correram para fora do ônibus. 

Meu sangue gelou e pensei "tenho que sair dessa porra'.  

Eu também desci correndo e entrei no banheiro feminino da rodoviária. 

Eu estava tremendo tanto, não sabia o que fazer, na verdade não conseguia processar toda aquela cena, mas lembrei que as crianças ainda estavam no ônibus vendo seu pai morrer e precisava fazer alguma coisa.  Ao mesmo tempo eu pensava: "Ai Deus, queria chegar em Brasília e não perder meu voo para Belo Horizonte." 

Depois de espiar o lado de fora pela fresta da porta do banheiro, vi que não havia mais correria.  Então, saí. 

Olhei para o ônibus e vi que a porta estava aberta, o motorista estava em pé na frente do ônibus, cheguei mais perto e perguntei a ele onde estava o homem de jaqueta jeans. 

Ele me respondeu que ele havia entrado dentro de um táxi e ido embora. 

Falei que tínhamos que tirar os meninos do ônibus, e pedi que ele me acompanhasse. 

Ele me disse que já havia acionado a polícia e o Samu e que não tinha coragem de entrar no ônibus. 

De repente, uma mulher veio correndo até nós, vi que ela vestia o uniforme dos bombeiros. 

Disse a ela que tínhamos que pegar as crianças dentro do ônibus. 

Ela aceitou, e então, subimos as escadas e escutamos as crianças chorando. 

Fomos andando no corredor até o final do ônibus e vimos o pobre homem em agonia, com o crânio partido pela metade, o globo ocular saiu do olho e ficou pendurado, o sangue espirrava na cortina da janela. 

As crianças estavam presas entre a janela e o pai, não conseguiriam sair dali passando pelo próprio pai. 

A mulher agarrou uma das crianças e me passou. 

Quando vi que ela já estava com a outra criança em mãos, eu me apressei para sair dalí. 

Parei no meu assento e peguei minha bolsa, onde estavam meu telefone, documentos e a passagem de avião. 

Quando saímos do ônibus, vimos uma multidão de gente em volta. 

Alguém pegou a criança do meu colo e logo em seguida eu tive vontade de desmaiar e fui correndo pro banheiro. 

Ali eu fiquei por alguns minutos, tremendo e ofegante.  

Eu só queria chegar em casa, pensei comigo mesma. 

Levantei, lavei meu rosto e minhas mãos que estavam sujas de sangue. 

Enquanto isso, minha mente não parava de ter pensamentos instintivos, como o de fugir. 

Olhei no relógio, faltavam apenas uma hora e meia pro meu voo partir e eu nem sabia onde eu estava. 

Eu só sabia que tinha que ir embora antes que a polícia chegasse, e então saí do banheiro em direção à saída da rodoviária. 

Abri a porta de um táxi, entrei e sentei. 

O motorista olhou pra mim e perguntou:  

"Para onde você gostaria de ir?" 

Respondi apenas: "Pro aeroporto." 

Ele me disse que ficava a 40 minutos dali. 

Então, fomos. 

Eu estava calada, tentando processar aquilo tudo. 

Comecei a sentir mal novamente. 

O motorista me perguntou se eu estava bem. 

Pedi pra ele parar o carro, e logo ele foi encostando. 

Vomitei todo o meu café da manhã. 

Depois de uns 10 minutos, voltei pro carro e seguimos viagem. 

Ele perguntou novamente se eu estava bem. 

Falei o que tinha acabado de acontecer. 

Ele ficou sem reação, e então disse: 

- "Não posso acreditar... Você precisa chegar em Belo Horizonte, né?" 

- "Sim", respondi, "não posso perder o voo". 

Ele me olhou pelo retrovisor e disse: 

- "Vai ficar tudo bem, já estamos quase chegando". 

Depois de um tempo, finalmente chegamos ao aeroporto. 

Ele parou o carro bem em frente à companhia aérea do meu voo. 

Agradeci ele, paguei e saí do carro. 

Fiquei parada, feito um poste, em frente ao guichê, até que uma moça da companhia aérea me perguntou: 

- "Posso ajudar?" 

Olhei pra ela e disse: 

- "Preciso pegar o voo para Belo Horizonte." 

Ela disse que já havia feito a última chamada para o embarque e disse: 

- "Você deve se apressar ou perderá o voo." 

Sai em direção à sala de embarque, meu coração disparou. 

Passei pelo raio-X e correndo fui para o portão. 

A mulher já estava com as mãos no portão para fechar, mas eu cheguei antes disso. 

Nem acreditei, meu coração estava quase saindo pela boca. 

Entrei no avião e me sentei. 

Abri minha bolsa e peguei um comprimido de Dramin, que sempre levava para viagens, e tomei. 

Antes mesmo do voo decolar, eu já havia apagado. 

Cheguei em Belo Horizonte e meu pai foi me buscar no aeroporto. 

Contei pra ele o que havia acontecido, e ele também ficou sem acreditar. 

- "Como assim?", ele perguntou. 

E no caminho para casa, contei tudo pra ele. 

Até hoje, quando lembro da cena, consigo escutar na minha mente a voz do garotinho falando para o homem de jaqueta:  

"Não faz isso com meu pai..." 

Aquela cena me marcou para sempre

Gratidão


Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page