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Capítulo 2

Minha Vida Adulta

O tempo passou. A vida, com os seus ciclos imprevisíveis, levou-me a outros desafios, outras descobertas. Aos 18 anos, entrei para a faculdade para estudar Design de Moda. Aquela etapa foi, para mim, um verdadeiro renascimento. 

Na faculdade, ninguém sabia quem eu era, nem o que tinha vivido. Não existia um passado que me definisse, nem olhares que julgassem. Sentia-me como uma página em branco, pronta a ser escrita com uma nova versão de mim — livre, leve, verdadeira. Pela primeira vez, podia simplesmente ser eu. 

O ambiente era inspirador. As aulas, os professores, os colegas — tudo ali pulsava criatividade. Fiz novos amigos com facilidade, e criámos uma ligação espontânea. Partilhávamos ideias, sonhos, desenhos, visões de mundo. Era como viver num universo paralelo, onde o pensamento era mais importante do que as aparências. 

Lembro-me de uma rotina que nos ficou na memória: depois das aulas, íamos em grupo até uma cachoeira próxima. Levávamos cadernos, lápis, e... maconha. Sim, foi ali que experimentei fumar pela primeira vez. Mas não era uma fuga ou rebeldia sem sentido. Fumávamos para conversar, pensar, abrir a mente. Sentíamo-nos inspirados — a natureza ao redor, o som da água a correr, e discussões sobre arte, moda, filosofia. 

O mais curioso? O nosso professor de História da Arte adorava juntar-se a nós. Discutíamos Platão, Sócrates, a Teoria da Caverna. Havia dias em que ele parecia viajar mais do que todos nós juntos. E havia algo mágico nesses momentos — como se estivéssemos todos conectados a algo mais profundo, mais criativo, mais livre. 

Quatro anos passaram num piscar de olhos. E, confesso, houve momentos em que achei que não ia conseguir chegar ao fim. Mas consegui. Formei-me. E, mais do que um diploma, saí dali com uma visão mais clara do mundo e de mim mesma. 

Antes de terminar o curso, já trabalhava numa loja de tecidos. Estive lá por dois anos. Gostava do que fazia, até ao dia em que a realidade me puxou de volta ao chão com brutalidade. 

Foi numa tarde comum. Entrei no elevador da loja com o dono, como já havia feito tantas outras vezes. Mas naquela ocasião, ele parou o elevador entre andares. Com um ar cínico e um sorriso detestável, começou a dizer que queria "conhecer-me melhor", insinuando tudo o que não devia. 

Eu sabia. Sabia que ele já tinha feito isso com outras funcionárias. E naquele momento, olhei bem nos olhos dele e disse com calma, mas com toda a firmeza do mundo: 


— Você é o tipo de homem que me dá nojo. Um pobre homem rico, com o ego do tamanho da sua conta bancária, tentando comprar atenção e inflar o seu orgulho machista. 


A resposta dele foi simples e previsível: fui demitida na hora. Mas ao sair daquele lugar, sentia-me tão leve, tão livre, que parecia que ia levantar voo. 

Foi ali que tomei uma decisão importante: nunca mais iria trabalhar para ninguém. Não queria mais depender de ordens, de favores, de silêncios obrigatórios. Queria o meu espaço, a minha voz, a minha autonomia. 

E cumpri essa promessa. Em 2013, abri a minha própria loja de roupas femininas, num bairro perto de casa. Comecei com pouco, mas com muita vontade. Aos poucos, o negócio foi crescendo, conquistando clientes fiéis. E com o aumento das encomendas e das viagens para São Paulo e Goiânia em busca de fornecedores, tive de contratar uma funcionária. 

Tudo parecia estar no caminho certo. Era uma nova fase, de conquistas, de autonomia, de sonhos realizados. 

Até que, numa dessas viagens, o inesperado aconteceu. 

Um novo trauma, tão profundo quanto inesperado. 


(Continua...) 

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